O paradoxo português: quanto mais se constrói, mais caras ficam as casas. Um país que trata a especulação como política pública.
Já aqui escrevi sobre a crise da habitação — esse espelho de um país que trocou o direito constitucional à casa por uma promessa de mercado. Mas há uma ideia que insiste em resistir, como um refrão fácil: a de que basta construir mais para resolver o problema.
A teoria é sedutora. Se a oferta aumenta, os preços caem — diz o manual do liberalismo económico. O problema é que o manual não lê a realidade. O Público publicou hoje um artigo com dados que expõem a contradição: as regiões onde mais se constrói são as que registam os maiores aumentos de preços.
Entre 2019 e 2024, o número de novos fogos quase duplicou em Portugal. Na Madeira, no Porto, no Oeste, no Alentejo Litoral e em Lisboa, a construção disparou mais de 100%. E os preços? Subiram ainda mais — até 97% na Madeira. O mercado respondeu, sim — mas ao apetite do capital, não à necessidade de habitação.
É que já não se constroem casas, constroem-se ativos. A habitação transformou-se num produto financeiro, um abrigo para o dinheiro, não para as pessoas. E, ao contrário das laranjas, os imóveis não apodrecem. Podem ficar vazios, guardados, à espera de valorizar — o que os economistas chamam “entesouramento”.
Portugal é hoje um dos países da OCDE com mais casas por habitante. O problema não é falta de oferta — é falta de regulação. E, ao contrário de outros países que tentam travar a especulação — limitando a compra por fundos estrangeiros, taxando casas vazias ou controlando rendas em zonas de pressão —, Portugal continua a financiá-la.
Financia-a com isenções fiscais, com regimes especiais para fundos imobiliários, com medidas que tratam o investimento como salvação universal. Chamam-lhe política de habitação; na prática, são subsídios à especulação.
No fim, sobra a mesma pergunta: construir mais, para quê? Para garantir que todos têm casa — ou para garantir que há sempre quem possa comprá-las todas?
Créditos e referências:
Imagem de Brandon Griggs
Público: Regiões com maior aumento da construção são onde os preços das casas mais sobem


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