Durante grande parte do século XX, Espinho cultivou uma identidade única: era cidade balnear, era cidade industrial, era cidade de passagem — onde o som dos comboios se confundia com a brisa do mar e o bulício do comércio local. Mas as últimas décadas transformaram-na. E não para melhor.
Hoje, Espinho é o espelho de um fracasso silencioso. A cidade perdeu quase toda a sua indústria, viu partir gerações de jovens e tornou-se dependente de um comércio frágil e de serviços sazonais, altamente expostos ao turismo e à conjuntura. A sua transformação urbanística — vendida como um salto em frente — acabou por traduzir-se numa descaracterização dolorosa. E o mais grave: quem cá vive continua a pagar um custo de vida elevado, sem que isso se reflita na qualidade do espaço urbano, das oportunidades ou dos serviços públicos.
O fim da indústria, o vazio da alternativa
Quando Espinho perdeu o seu tecido industrial — não apenas os têxteis como a Corfi, mas também unidades como a Fosforeira, a fábrica de plásticos Hércules, a fundição metalomecânica e outras pequenas e médias empresas — o impacto foi brutal. Eram estruturas que garantiam emprego estável, com especialização técnica, e que alimentavam o comércio local, a classe média e o sentido de comunidade produtiva.
Nada as substituiu verdadeiramente. Houve promessas. Houve slogans. Mas não houve estratégia. A cidade passou a depender cada vez mais do verão, das segundas habitações, dos cafés de domingo à tarde. Fora da época alta, o centro esvaziou-se. O comércio perdeu alma. Os empregos tornaram-se precários. E os jovens partiram.
A crise económica de 2011 a 2014 expôs essa fragilidade de forma brutal. Nesses anos, Espinho chegou a ser o concelho com maior taxa de desemprego do país. A cidade que antes tinha fábricas e dignidade laboral passou a ter filas no centro de emprego. E mesmo depois da saída da troika, nunca recuperou verdadeiramente o fôlego.
O enterramento da linha férrea: promessa que se afundou
A grande obra dos tempos modernos foi o enterramento da linha férrea. Defendida por José Mota como forma de unir a cidade, eliminar as passagens de nível e dar uma nova centralidade urbana a Espinho. A promessa era grande. O resultado, dececionante.
Com a linha enterrada, ficou um enorme vazio à superfície. Literal e figurado. O espaço que se abriu no coração da cidade foi mal pensado, mal tratado e pior aproveitado. O traçado é árido, sem sombra, sem cor, sem vida. Uma “avenida” onde ninguém se quer sentar. Onde o comércio não pegou. Onde a cidade, em vez de se unir, parece ter perdido a sua espinha dorsal.
José Mota sonhou a obra, mas Pinto Moreira, seu sucessor, teve tempo mais do que suficiente para a corrigir. Não o fez. Limitou-se a gerir o vazio, a pintar por cima, a empurrar com a barriga. A oportunidade de transformar aquele espaço num verdadeiro fórum cívico e cultural morreu à nascença.
Lideranças que se sucedem sem romper com o passado
José Mota, Pinto Moreira, Miguel Reis. PS, PSD, depois PS outra vez. Todos eles falharam. Todos eles prometeram mudar o rumo da cidade. Nenhum o fez. Pior: todos eles foram ou são arguidos em processos judiciais, por suspeitas diversas — desde corrupção a favorecimento pessoal. Nenhum projeto político sobrevive quando está contaminado por esta promiscuidade entre cargos públicos e interesses privados.
O que deveria ser alternância tornou-se continuidade. E Espinho ficou no meio: órfã de ideias, órfã de visão, órfã de esperança.
Uma cidade cara para viver, pobre em retorno
E como se não bastasse tudo isto, viver em Espinho é caro. Muito caro. Os preços da habitação rivalizam com os de cidades vizinhas muito mais dinâmicas. As rendas são incomportáveis para quem ganha salários locais. E até os pequenos consumos — supermercado, cafés, restauração — se fazem notar na carteira de quem aqui vive o ano inteiro. É um paradoxo cruel: uma cidade estagnada… que custa como se estivesse em expansão.
O que resta?
Resta a memória. Resta o mar. Resta uma localização invejável. E, acima de tudo, resta a possibilidade de fazer diferente. Mas para isso é preciso mais do que obras. É preciso visão, coragem e um profundo respeito pela cidade e pelos que cá vivem o ano inteiro.
Espinho não precisa de ser Dubai. Nem Porto. Nem Lisboa. Precisa apenas de ser Espinho — com alma, com história, com identidade. Isso exige pensar a cidade de forma integrada, criar espaços vivos e acessíveis, apoiar quem quer empreender e cuidar de quem aqui envelhece.
As promessas já não chegam. É tempo de exigir mais. Muito mais.
Nota de autor
Escrever sobre Espinho custa. Porque é a cidade onde nasci, onde cresci, onde vivo. Conheço-lhe os cantos e os silêncios, os nomes e os gestos. Talvez por isso mesmo, não consigo calar o que vejo e o que falta.
Esta crítica não nasce de mágoa, nem de superioridade. Nasce do desejo de ver Espinho melhor, mais viva, mais justa. De a ver com futuro — e não apenas com passado.
Escrevo com a proximidade de quem aqui caminha todos os dias. E com a esperança teimosa de que ainda é possível fazer diferente.



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