Desde o início da ofensiva israelita sobre Gaza, a 7 de outubro de 2023, muito mudou na política interna de Israel — e quase tudo para pior. O artigo recentemente publicado no eldiario.es traça um retrato inquietante da deriva autoritária e ultranacionalista do governo de Benjamin Netanyahu, hoje cada vez mais dependente e alinhado com a extrema-direita israelita.
Da coligação desconfortável à assimilação ideológica
O primeiro ponto a destacar é a transformação do Likud, o partido de Netanyahu, que de conservador nacionalista passou a adotar abertamente teses radicais sobre ocupação, limpeza étnica e rejeição de qualquer solução de dois Estados.
Segundo o cientista político Dani Filc, esta radicalização tem duas origens: o temor de Netanyahu de perder o apoio da coligação, e uma mudança ideológica real no seio do partido, cujos deputados e ministros proferem hoje frases que antes se associavam exclusivamente a grupos como o Otzma Yehudit, de Itamar Ben Gvir.
“O Likud está a tornar-se um partido fascista”, afirma Filc. A frase é forte — mas difícil de desmentir.
Uma guerra sem fim como estratégia de sobrevivência

O artigo traça também uma ligação entre a continuação da guerra em Gaza e a estratégia de sobrevivência política de Netanyahu. A recusa em aceitar investigações sobre o 7 de outubro, a oposição a negociações para libertar os reféns, e a insistência na destruição total da Faixa de Gaza, parecem servir menos uma lógica de segurança e mais uma de poder pessoal.
Yossi Beilin, antigo ministro da Justiça, diz sem rodeios: o prolongamento da guerra “é o preço da obsessão de Netanyahu com o poder”.
É neste ponto que a questão se torna ainda mais preocupante: a guerra não é apenas uma consequência da radicalização — é o seu instrumento. Enquanto o conflito se mantém, a atenção pública dispersa-se, as divisões internas são sufocadas e o governo avança com a sua agenda ideológica sem grandes escrutínios.
Colonização acelerada e destruição da solução dos dois Estados
Na Cisjordânia, os factos falam por si: 49 novos assentamentos desde 2022, legalização de postos ilegais e 87 novos avanços coloniais desde o início da guerra. A organização Peace Now denuncia ainda a expulsão de dezenas de comunidades palestinianas, num processo de limpeza territorial a céu aberto.
Segundo Lior Amihai, diretor executivo da ONG israelita, estamos perante “a maior campanha de colonização desde os Acordos de Oslo”.
A conclusão parece inevitável: Netanyahu está a destruir ativamente qualquer hipótese de criação de um Estado palestiniano. Seja por convicção ou conveniência, a sua política converge hoje com a de figuras como Ben Gvir ou Smotrich, que defendem abertamente a anexação da Cisjordânia e a reocupação de Gaza.
Um governo sem rumo — mas com um destino perigoso
O paradoxo atual é gritante: o governo mais radical da história de Israel governa contra a opinião pública. A maioria dos israelitas, segundo o Pew Research Center, quer o fim da guerra em troca da libertação dos reféns. No entanto, Netanyahu resiste — e radicaliza.
A sua coligação mantém-se viva graças a um equilíbrio instável entre ultranacionalistas militaristas e ultraortodoxos religiosos, estes últimos agora a exigir a continuação da isenção do serviço militar obrigatório — algo que começa a gerar fraturas internas num país em guerra prolongada.
Notas finais
Israel vive hoje uma crise existencial não apenas com os seus vizinhos, mas consigo próprio. O que está em causa não é apenas a paz, mas a natureza do regime israelita: será uma democracia liberal ou um Estado etnocrático autoritário? Netanyahu parece ter feito a sua escolha.
Mas o futuro continua em aberto. A crescente oposição interna, as pressões internacionais e o cansaço da população perante uma guerra sem fim poderão, ainda, alterar o curso dos acontecimentos. Por agora, porém, o cenário é sombrio — e exige vigilância crítica.


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