X: Um reflexo da era da polarização?

O antigo Twitter, foi outrora uma plataforma de debate público, humor e partilha de ideias. Hoje, apresenta um cenário diferente. Desde a sua aquisição por Elon Musk, a rede tem vindo a transformar-se num espaço cada vez mais propício à disseminação de discurso de ódio, propaganda e estratégias de manipulação por parte da extrema-direita. Esta mudança não é apenas global – em Portugal, o fenómeno é palpável e alarmante.

Porque é que o X se tornou este palco?

1. Desregulação deliberada: Desde a compra por Elon Musk, assistimos a uma desmantelação sistemática dos mecanismos de moderação. Contas banidas por discurso de ódio foram restauradas, e o “engagement” (gostos, partilhas) passou a premiar polémica tóxica em vez de diálogo construtivo.

2. Algoritmos que amplificam o extremismo: O conteúdo mais chocante, indignado ou ofensivo gera mais reações — e, por isso, mais visibilidade. Isto serve os interesses comerciais da plataforma, mas prejudica gravemente a saúde pública do espaço digital.

3. Rede informal da extrema-direita: No caso português, há figuras bem conhecidas da política e do comentário público que usam o X para lançar provocações, criar inimigos fictícios (“os woke”, “a esquerda”, “os imigrantes”, etc.) e consolidar uma base radicalizada. Muitas vezes, fazem-no sob a capa de “liberdade de expressão”, quando na realidade estão a alimentar um ambiente tóxico e antidemocrático.

4. Normalização do inaceitável: Quando discursos como o da publicação que mostraste se tornam virais ou passam impunes, o que antes seria considerado impensável torna-se apenas “mais uma opinião”. É assim que o ódio se normaliza.

O ódio digital não é só ruído — é veneno. Atravessamos um tempo estranho, em que a fronteira entre liberdade de expressão e incitamento ao ódio se esbate cada vez mais. As redes sociais, outrora celebradas como ferramentas de democratização da palavra, tornaram-se terrenos férteis para a radicalização. E poucas plataformas ilustram isto com tanta clareza como o X (antigo Twitter).

É o que o X amplifica hoje não é só desinformação. É ódio em estado puro, desumanização literal. E pior: é celebrado, partilhado, rido, e muitas vezes deixado impune. Comentários a festejar a desgraça alheia e nsultos não são incidentes isolados — são sintomas de uma doença social, alimentada por algoritmos que premiam o choque, o ruído e a violência simbólica.

Em Portugal, este ambiente não é importado — é cultivado. Há uma rede cada vez mais coesa de contas associadas à extrema-direita, a perfis anónimos que vomitam insultos, e a políticos ou comentadores que sabem muito bem como manipular o ciclo de indignação para seu benefício. Usam o X como laboratório de provocação, saboreando cada reação como combustível para a sua máquina de ruído.

Um breve regresso: a minha experiência pessoal

Recentemente, decidi fazer uma breve incursão ao X por ocasião do período eleitoral. A minha intenção era perceber o estado da plataforma e a forma como o discurso político se desenrola neste novo ambiente. O que encontrei ultrapassou largamente qualquer expectativa negativa que pudesse ter. A toxicidade, o ódio desinibido, os apelos à violência e a presença activa de actores políticos da extrema-direita (muitas vezes com redes de perfis falsos e conteúdos coordenados) compõem uma paisagem quase distópica.

O post que encontrei – e que partilho como exemplo – foi um momento-chave nesta exploração. Nele, um utilizador celebra a morte de bebés em Gaza e incita Israel a continuar os ataques, em resposta a uma informação partilhada por outro perfil sobre um alerta das Nações Unidas. A linguagem é explícita, violenta e desumanizadora, representando um dos níveis mais baixos daquilo que se tornou frequente no X.

O X em Portugal e o papel da extrema-direita

Em Portugal, o X tornou-se um dos principais instrumentos da extrema-direita digital. Através de memes, vídeos editados, manipulação de contexto e campanhas coordenadas, figuras políticas e os seus apoiantes alimentam um ecossistema onde a mentira se torna viral e o ódio é combustível para o engajamento.

A impunidade é quase total. Conteúdos como o que incita ao genocídio continuam disponíveis dias depois da publicação. As denúncias são ignoradas ou tratadas com atraso. A sensação de descontrolo é agravada pela amplificação de contas verificadas que pagam por visibilidade e que, muitas vezes, são os principais disseminadores de desinformação.

Não é por acaso que muitos utilizadores progressistas, activistas ou simplesmente pessoas comuns abandonaram a rede. O espaço tornou-se hostil para quem procura um debate minimamente informado ou ético.

Onde fica a responsabilização?

A Comissão Europeia já abriu um processo formal contra a X por violação da Lei dos Serviços Digitais. Investiga-se o funcionamento dos seus algoritmos, a ausência de moderação eficaz e o acolhimento de conteúdos ilegais. Mas os mecanismos de regulação são lentos e muitas vezes ineficazes perante a velocidade e escala da radicalização digital.

Entretanto, a realidade é esta: o X tornou-se uma incubadora de ódio. E o silêncio — de quem consome, de quem não denuncia, de quem continua a tratar esta rede como espaço de “livre expressão” — contribui para a normalização da violência.

Conclusão: que futuro para o X – e para nós?

O X é hoje uma plataforma radicalizada, onde o engajamento é obtido através da violência simbólica (e por vezes literal). Em períodos eleitorais, isso torna-se ainda mais perigoso. Em Portugal, o crescimento da extrema-direita digital encontra ali um terreno fértil, reforçado por algoritmos que recompenqam a indignação e a polémica.

Cabe-nos, enquanto cidadãos, reflectir sobre os espaços que frequentamos, o tipo de discurso que toleramos e o papel das redes sociais na nossa vida pública. E, sobretudo, recusar a normalização do ódio. Identificar, denunciar, afastar. Porque, como se comprova, aquilo que começa nas redes não fica nas redes.

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