Porque é que a social-democracia funciona na Suécia mas falhou em Portugal?
Ou: como a confiança, o compromisso e a transparência fazem toda a diferença.

Na semana passada, defendi porque considero a social-democracia um modelo mais justo e adequado para a sociedade do que o liberalismo económico, cuja influência tem vindo a crescer.

Hoje, procuro identificar algumas das causas que contribuíram para o relativo fracasso da social-democracia em Portugal. Tomo como ponto de comparação a Suécia — um dos países onde este modelo social e económico mais bem-sucedido tem sido.

Aponto também algumas soluções possíveis para reforçar o desempenho da nossa economia, com especial destaque para o fortalecimento do Estado social, peça-chave de qualquer projeto social-democrata consistente.


PARTE I — As causas do fracasso português

Introdução:

Quantas vezes ouvimos dizer: “Na Suécia é que é!”? Serviços públicos de luxo, impostos altos mas justos, políticas sociais robustas, sindicatos fortes mas razoáveis, políticos sérios… e cá, em Portugal, uma versão encolhida, frágil e muitas vezes frustrante do que poderia ser um verdadeiro Estado social.

Mas será que somos mesmo “pobres demais” para isso? Ou há algo mais profundo que nos impede de ter uma social-democracia à altura?

Spoiler: não é só uma questão de dinheiro.

1. A origem faz a diferença

A social-democracia sueca nasceu de décadas de compromisso entre sindicatos, patrões e Estado. Sem revoluções, sem rutura, com estabilidade.

Portugal saiu de quase meio século de ditadura através de uma revolução (25 de Abril) que, apesar de libertadora, mergulhou o país numa fase de instabilidade, nacionalizações caóticas e lutas ideológicas. Faltou tempo — e talvez cultura política — para construir uma social-democracia sólida e consensual.

2. Sindicatos: o confronto acima do compromisso

Na Suécia, os sindicatos são aliados da estabilidade. Em Portugal, muitos sindicatos (especialmente os próximos do PCP) seguiram uma linha de confronto. Greves constantes, resistência a reformas e pouca predisposição para o compromisso impediram avanços duradouros.

Quando a luta sindical é vista como trincheira ideológica, perde-se o foco: melhorar concretamente a vida dos trabalhadores.

3. Corrupção: o vírus invisível que destrói a confiança

A social-democracia precisa de confiança. Confiança para pagar impostos, para acreditar nos serviços públicos, para aceitar regras.

Em Portugal, a sucessão de escândalos — das PPPs às nomeações políticas, passando por negócios obscuros e ex-governantes a fazer carreira em grandes empresas — corroeu essa confiança. E sem ela, não há contrato social que resista.

4. Demagogia: mais ruído, menos soluções

Enquanto a política for feita de soundbites, ataques pessoais e jogos de poder, não há espaço para reformas sérias. Em vez de diálogo, temos confronto. Em vez de compromisso, temos espetáculo.

A social-democracia exige capacidade de acordo, mesmo entre adversários. E Portugal não tem (ainda) essa cultura institucional.

4.1. Instabilidade política: governos frágeis, reformas adiadas

Portugal tem vivido uma sucessão de governos minoritários, alianças frágeis e dissoluções parlamentares. Esta instabilidade política compromete a capacidade de executar reformas estruturais de longo prazo — exatamente o tipo de medidas de que uma social-democracia precisa para vingar.

Quando os ciclos políticos são curtos e marcados por incerteza, os governos tendem a privilegiar medidas populares de curto prazo em vez de investimentos estratégicos e reformas profundas, muitas vezes impopulares no imediato.

Além disso, a alternância constante entre visões ideológicas contraditórias (com mudanças de rumo a cada legislatura) impede a construção de um modelo coerente e duradouro de Estado social. Sem continuidade, não há confiança; sem confiança, não há progresso.

5. Uma economia limitada, mas não sem potencial

A Suécia baseia-se em tecnologia, inovação e exportação. Portugal continua refém de setores com baixo valor acrescentado: turismo, serviços, construção.

Menos riqueza produzida = menos margem para redistribuir. Mas mesmo dentro dessas limitações, seria possível fazer melhor — com visão e coragem política.

6. O Estado que se encolhe

Décadas de subfinanciamento deixaram os serviços públicos em erosão: hospitais com carências, escolas com falta de pessoal, transportes imprevisíveis.

Perante isto, a perceção cresce: “o privado é que funciona”. E aí entra o próximo erro.

7. PPPs: solução de curto prazo, problema a longo prazo

As parcerias público-privadas, apresentadas como eficientes, muitas vezes beneficiaram interesses privados e comprometeram o futuro do Estado. Contratos opacos, lucros garantidos para empresas, riscos suportados pelo contribuinte.

Resultado? O Estado perde força, autonomia e capacidade de resposta.


PARTE II — Soluções para um Estado social sustentável com uma economia frágil

1. Combate firme à evasão fiscal

  • Problema: Milhões por ano perdidos em impostos não pagos.
  • Solução: Investimento em tecnologia, fiscalização e cruzamento de dados.
  • Impacto: Recuperar receita sem sobrecarregar quem já paga.

2. Revisão da despesa pública

  • Problema: Má gestão e contratos ruinosos.
  • Solução: Auditorias, transparência, avaliação de resultados.
  • Impacto: Eficiência e reinvestimento nos serviços cruciais.

3. Reforma fiscal progressiva

  • Problema: Sistema injusto, penaliza rendimentos do trabalho.
  • Solução: Menor carga sobre salários baixos, maior tributação sobre os acima da classe média e especialmente sobre o capital especulativo.
  • Impacto: Maior justiça e redistribuição eficaz.

4. Valor acrescentado na economia

  • Problema: Dependência de setores de baixa produtividade.
  • Solução: Inovação, Investigação e desenvolvimento, ensino técnico.
  • Impacto: Salários melhores, mais exportações, mais receita.

5. Parcerias com o setor comunitário

  • Problema: PPPs favorecem o lucro em detrimento do serviço.
  • Solução: Apoio a cooperativas, IPSSs e associações locais.
  • Impacto: Serviços próximos e sustentáveis com controlo público.

6. Planeamento de longo prazo

  • Problema: Medidas de curto prazo, focadas nas eleições.
  • Solução: Pactos sociais e políticos com metas partilhadas.
  • Impacto: Mais estabilidade e confiança institucional.

Conclusão

Um Estado social forte não exige um país rico — exige um país que saiba priorizar, distribuir e confiar. Portugal tem limitações, sim, mas também tem recursos humanos e institucionais para mais. O desafio está na coragem política, na cultura cívica e na exigência cidadã.

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