O artigo, cujos excertos transcrevo, é da autoria do insuspeito Le Monde e demonstra o ódio existente nas esferas políticas de Israel e a forma como desumanizam os palestinianos, de forma a “justificar” a destruição e assassinato em massa de civis.
A linguagem desumanizante tem sido usada nos mais altos níveis do governo israelita, imediatamente após o ataque terrorista do Hamas que matou mais de 1.200 pessoas em Israel. Yoav Gallant, que era então o ministro da Defesa, até à sua demissão do governo em 2024, justificou o início do cerco declarando: “Estamos a lutar contra animais humanos e estamos a agir em conformidade.” O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, por sua vez, contrastou os “filhos da luz”, que estão sujeitos ao “barbarismo” e à “lei da selva”, com os “filhos das trevas”, e comparou o Hamas a “monstros”.
Em várias ocasiões, o primeiro-ministro invocou a erradicação bíblica de Amalek, um povo nómada apresentado na Bíblia como inimigo dos “israelitas”, como uma analogia para o futuro de Gaza. O presidente Isaac Herzog, por sua vez, justificou um desejo de “erradicar o mal” do enclave, que está sob o controlo do Hamas desde 2007: “É uma nação inteira lá fora que é responsável. Essa retórica sobre civis não cientes, não envolvidos, é absolutamente não verdadeira.” O presidente, cujo papel é em grande parte simbólico, acrescentou: “Lutaremos até quebrar a espinha deles.”
O extremismo reinante no seio do staff liderado por Netanyahu é bem demonstrado nas intervenções dos seus vários ministros.
“Estamos agora a implementar a Nakba de Gaza”, declarou o ministro da Agricultura Avi Dichter em novembro de 2023, referindo-se ao deslocamento forçado da população palestiniana em 1948. O ministro do Património Amichai Eliyahu, conhecido por repetidamente pedir desde outubro de 2023 que uma bomba nuclear seja lançada sobre Gaza, voltou a ser notícia no início de maio ao sugerir que as últimas reservas de alimentos restantes em Gaza deveriam ser bombardeadas. “Eles precisam passar fome”, disse ele….
Nissim Vaturi, vice-presidente do Knesset e membro do Likud, proferiu múltiplos discursos anti-palestinianos, chamando para “apagar Gaza da face da Terra”. Outros legisladores israelitas defenderam a necessidade de matar crianças e destruir o território — alguns, como Netanyahu, invocam Amalek para justificar a escala da destruição.
A audiência, em 8 de maio, perante uma comissão do Knesset, da Dra. Sharon Shaul, chefe da ONG humanitária Natan, ilustrou a violência aberta da retórica dentro da maioria governante. “Acho que mesmo todos sentados à volta desta mesa não querem que uma criança sofrendo não possa receber analgésicos ou tratamento médico mínimo”, disse a Dra. Shaul, num diálogo relatado pelo jornal Haaretz. O deputado do Likud Amit Halevi retorquiu então: “Não tenho certeza se está a falar por nós quando diz que queremos tratar todas as crianças e todas as mulheres. Espero que também não apoie essa declaração. Quando se luta contra um grupo como este, as distinções que existem num mundo normal não existem.” Quando a médica insistiu no imperativo moral de fornecer tratamento a um jovem amputado, outra deputada, Limor Son Har-Melech do partido de extrema direita Otzma Yehudit (“Poder Judeu”), interrompeu-a: “O único tratamento necessário aqui é para si!”
Esta retórica com tons genocidas também é repetida por altos oficiais militares, tanto ativos como reformados. Em seu caso perante o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a África do Sul citou Ghassan Alian, coordenador das atividades governamentais nos territórios ocupados: “Animais humanos devem ser tratados como tal.” O ex-major-general Giora Eiland, também citado na queixa do TIJ e um frequente comentarista da mídia, chamou várias vezes para tornar o território inabitável: “O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar que seja temporária ou permanentemente impossível de se viver.” O mesmo oficial justificou as mulheres serem vítimas de ataques: “Quem são as ‘pobres’ mulheres de Gaza? Elas são todas as mães, irmãs ou esposas dos assassinos do Hamas.”
A retórica está presente inclusive nas redes sociais ou até mesmo em programas de televisão. O Canal 14, um orgão de média de extrema direita é autor inclusive de várias transmissões que incitam ao genocídio, à violência e ao racismo.
“Na TV israelita, Bebés de Gaza a Passar Fome Não São um Problema. Desde que Não Haja Fotos Deles”, lia-se uma manchete do Haaretz na terça-feira, 20 de maio, refletindo um debate lançado por Yair Golan sobre crianças mortas pelo exército….
As ONGs também apontam que esta retórica ultrarradical está agora a visar a Cisjordânia, onde mais de 900 palestinianos foram mortos desde outubro de 2023. Elas temem que tais declarações estejam a abrir caminho para uma ofensiva em larga escala no território, semelhante ao que está em curso em Gaza. Num longo discurso proferido em 27 de abril em Jerusalém, Netanyahu lançou o mesmo opróbrio sobre os residentes de ambos os territórios. “Eles continuam a dizer, ‘Queremos um Estado palestiniano, na nossa pátria ancestral, para destruir o Estado judeu.’ Eles dizem isso. Eles dizem isso em Ramallah. Eles dizem isso em Gaza. Eles ensinam isso em Ramallah às suas crianças. Eles ensinam isso em Gaza”, disse o primeiro-ministro.
Um artigo que vale a pena ler na íntegra para quem tiver uma assinatura ativa no jornal francês.


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