O país onde a esperança perdeu voz

Não foi um choque. Quem anda atento já sabia. Não era preciso ser analista, nem adivinhar cartas em mesas redondas de domingo à noite. Bastava ouvir. Estar onde poucos estão. Escutar, com paciência, o que o ruído mediático costuma varrer para debaixo do tapete. O resultado das eleições de ontem não nasceu do acaso — cresceu no silêncio, adubado por anos de desprezo, regado pela raiva de quem já não acredita em nada, mas ainda acredita no castigo.

O CHEGA voltou a subir. Cresceu nas franjas e cresceu no centro. Ganhou votos onde a memória já se esqueceu de como era viver com dignidade e também onde nunca se soube. Não é só ódio, nem só ignorância. É desilusão tornada linguagem política. É o protesto que se transforma em voto, porque é o único sítio onde ainda se pode bater com a porta sem partir a casa.

E enquanto os números subiam nos ecrãs, via-se no rosto de muitos o espanto forçado de quem finge não perceber. À esquerda, contorce-se o discurso, esconde-se o fracasso atrás da pureza ideológica. Continua-se a confundir o país real com a bolha lisboeta. Acredita-se que ter razão é suficiente para convencer quem não tem sequer pão. À direita, disfarça-se o contágio. Finge-se sobriedade enquanto se herdam palavras, temas e tiques do partido que se diz combater. Moderação, sim — mas só no tom, nunca no conteúdo.

O jornalismo, por sua vez, pagou o preço do espetáculo. Gastaram-se horas em diretos e polémicas vazias, enquanto o país profundo continuava sem reportagem. Nas câmaras, nos microfones, nos títulos, foi-se normalizando o absurdo, amplificando o populismo com populismo. Não por convicção, mas por cliques. E o que se ganhou em audiências perdeu-se em decência.

Os que ontem votaram no CHEGA não são, na maioria, fascistas. São pessoas. Com contradições, com medos, com ressentimentos reais. Muitas erram, outras assustam. Mas há também as que apenas querem ser vistas, reconhecidas, consideradas parte de um país que as empurrou para a margem. E enquanto continuarmos a falar sobre elas em vez de falar com elas, os resultados só irão numa direção.

Sim, o discurso do ódio deve ser combatido. Mas não se combate com desprezo nem com memes. Combate-se com alternativa, com coragem e, sobretudo, com trabalho sério onde ninguém quer ir. Combate-se com verdade — mesmo quando ela incomoda.

O país que ontem falou nas urnas é o mesmo de sempre: dividido, desigual, cansado. Mas agora, talvez mais do que nunca, sem esperança. E sem esperança, qualquer coisa serve. Até o abismo.

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